terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Bibliografia Coronária



A prateleira de livros do meu pai ficava no corredor da casa, a casa de itaipu, niterói, perto de itacoatiara, onde moramos até quando eu tinha uns 14, 15 anos. Era na minha opinião o lugar mais fascinante da casa, e ainda tinha a vantagem de ficar bem em frente à porta do meu quarto. Parava na frente das estantes, quando não tinha ninguém olhando, e volta e meia subtraía um ou outro volume, e levava pra debaixo da minha cama (!) Meu pai não percebia ou fingia não perceber que suas estantes de livros iam sofrendo baixas sucessivas, enquanto no meu quarto a parte de baixo da cama ia ficando repleta de livros... que eu lia meio escondido por não saber se eram realmente apropriados pra meu tamanho e idade. O Manifesto Comunista de Marx e Engels, por acaso ou sorte ficava logo nas prateleiras mais baixas, foi um dos primeiros a serem surrupiados e devorados em madrugadas de vigília, lá pelos meus 09 ou 10 anos. E depois Milan Kundera, A insustentável leveza do ser, thomas mann, A Montanha Mágica, o analista de bagé de luis fernando veríssimo, Fidel e a Religião do Frei Betto, as lombadas mais atrativas e os títulos mais curiosos, além da altura das estantes, eram critérios que iam definindo as minhas primeiras e definitivas incursões literárias.

Fragmentos de um Discurso Amoroso ficava em uma prateleira mais alta, talvez imprópria pra menores. Mas pensando bem, A idade da Razão de Sartre, e Henry Miller com sua trilogia Plexus, Nexus, Sexus, ficavam bem ao alcance da minha visão infantil, mas só foram pra debaixo da minha cama bem mais tarde... no entanto, o Fragmentos, mesmo à distância, já me chamava a atenção. Talvez pq a edição da Civilização Brasileira fosse bastante sedutora, as letras tinham uns arabescos lindos, uma fonte vermelha em um fundo bege que chamavam atenção, e ainda com esse título...foi precocemente pra debaixo da cama, meu pai se mudou da casa de itaipu, mas o livro de Barthes já constava inventariado no patrimônio do subterrâneo da pré-adolescência, e seguiu comigo...

Meu primeiro amor foi também minha primeira grande desilusão amorosa, e aí o Fragmentos do Barthes saltou para a superfície da minha fossa adolescente, e virou um grande oráculo, que foi e voltou várias vezes ao longo da minnha vida. Seus verbetes sempre iluminaram meus caminhos de amor, afeto, perdas, perdões, encantos, ilusões e desilusões.

Retomo ele na narrativa de nosso encontro, o melhor momento na dramaturgia da minha vida. Nosso texto e contexto, leituras e releituras do nosso amor. De mensagem ele se transforma em linguagem, vira poema, peça, filme, outros livros, bebe da fonte da minha ancestralidade pra se transformar em discurso e oráculo amoroso.

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