quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um Bonde Chamado Santa Teresa




Nesta semana, dia 27/12, completaram-se 4 meses do acidente com o Bonde de Santa Teresa (RJ), que matou 6 pessoas e feriu mais de 50. Entre as vítimas fatais, a menina Maria Eduarda, de 12 anos, que visitava pela primeira vez o bairro junto com seus pais e irmão, e o motorneiro do Bonde, o querido Nélson Corrêa, que há mais de 30 anos conduzia os bondinhos e era um amigo para muitos moradores do bairro.

Praticamente todos os dias nos chegam notícias de tragédias de maior ou menor proporção, com dezenas, centenas ou milhares de mortos e feridos. O humano, demasiado humano destes acontecimentos irá sempre nos tocar, nos comover, nos colocar diante de nossa finitude e fragilidade. Das torres gêmeas do WTC à explosão de gás na Praça Tiradentes, do terremoto no Haiti às enchentes na região Serrana no RJ. O choque, o impacto com a notícia, uma exploração midiática do fato e suas repercussões por alguns dias, ou mesmo semanas. Depois, tanto a mídia quanto nós tocamos em frente e vamos nos ocupando de outros assuntos, há sempre outras notícias, escândalos e incestos, os dramas cotidianos e a divina comédia humana de cada dia.

Para a maior parte das pessoas, deve ter sido assim também com o acidente do Bonde. No entanto, para os moradores, amigos e amantes do bairro de Santa Teresa, é impossível esquecer. E não é só pela dor de termos perdido amigos, vizinhos, pessoas conhecidas e queridas. É porque fazem 4 meses, desde aquele Sábado, dia 27 de agosto de 2011, que o Bonde de Santa Teresa saiu das ruas, parou de circular, devido à motivos de "segurança", como alegam os gestores do sistema estadual de transportes. Há 4 meses Santa Teresa vive sem o seu querido Bonde, símbolo do bairro e da cidade. E sua ausência dói demais, é presente demais!

Todos os dias era aquele barulho confortante e iritante das composições subindo e descendo as ladeiras, o chiado estridente dos trilhos, o barulho do motor elétrico. Nos finais de semana as pessoas passavam gritando, cantando, era o bonde da alegria. Dava pra ficar na janela apreciando o movimento e viajar no tempo, na história, se sentir parte de um Rio que já não existe mais, e que Santa Teresa mantinha circulando nas ruas do nosso bairro.

http://www.youtube.com/watch?v=xNJ3UqXnAww

Minha casa, onde vivo no bairro, é exatamente em frente ao local onde ocorreu o acidente. Eu não estava em casa na hora, cheguei alguns minutos depois do acidente, vindo de uma viagem ao interior do estado, para onde eu tinha ido com uma certa preguiça e má vontade, mas que pode ter me salvado a vida. Digo isso porque eu poderia estar naquele bonde, era meu programa preferido aos Sábados, subir Santa Teresa de bonde, ficar tomando cerveja e jogando conversa fora na frente dos bares, comprar o jornal de domingo e descer levemente embriagado para casa. 4 meses sem bonde passando na janela, 4 meses sem meu programa preferido do fim de semana.


No carnaval, o bonde virava um corso, um carro alegórico, um baile ambulante e era uma delícia vê-lo subir e descer com malandros, melindrosas, pierrôs e colombinas, marinheiros, mágicos e toda flora e fauna carnavalesca. O Bloco Céu na Terra subindo de bonde, tocando o "Abre Alas" de Chiquinha Gonzaga às 06h da manhã, anunciando o reinado de Momo. Neste ano, abri um modesto botequim na garagem da minha casa durante os 4 dias de folia. Meu empreendimento carnavalesco fazia sucesso com os passageiros do bonde, especialmente quando ele vinha conduzido pelo Seu Nélson, que fazia questão de dar uma parada estratégica bem na frente da nossa garagem pro povo poder dar a sua abastecida... era o Bonde da Cerveja! Fico pensando como será o Carnaval de 2012 sem o bonde...

Mas Santa Teresa continua vivendo de amor pelo bonde. Todo dia 27 acontece uma manifestação no local do acidente, o luto já se fez luta, e o povo celebra em rituais ecumênicos, canta, pinta, protesta, reza e renova a esperança de trazer o nosso bonde, alma encantadora do bairro, de volta às ruas, ao cotidiano de todos e de cada um de seus passageiros e usuários. O Bonde Vive, Viva o Bonde!

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